Um olhar sobre o papel das mulheres no universo da cervejaria e destilaria
Historicamente, as mulheres foram ignoradas por suas contribuições e inovações na indústria de bebidas alcoólicas – mas as coisas estão mudando. As mulheres compõem uma parte vibrante da indústria de bebidas alcoólicas atualmente. Mas para entender onde estamos agora, é importante olhar para o passado. A indústria do álcool não é diferente de outras nesse aspecto, como vários historiadores descobriram. Livros recentes, como “Girl Drinks”, de Mallory O’Meara, “Every Home a Distillery: Alcohol, Gender, and Technology in the Colonial Chesapeake”, de Sarah Hand Meacham, e “Drinking Like Ladies”, de Kirsten Amann e Misty Kalkofen, destacam as conquistas das mulheres e as colocam no centro das atenções. No Brasil o livro “Da botica ao boteco” da jornalista, mixologa e escritora Néli Pereira se tornou um resgate da história das bebidas em nossa cultura atual e em tempos passados com os povos originários. Por um lado, os autores dizem que é chocante que a participação das mulheres na produção de bebidas alcoólicas remonte às primeiras eras da civilização. E, ainda assim, os historiadores encontraram padrões onde os papéis das mulheres foram consistentemente diminuídos. “Quando Kirsten e eu estávamos pesquisando para nosso livro, repetidamente nos deparamos com mulheres que realizaram grandes feitos na indústria, mas suas conquistas foram perdidas ao longo da história ou, pior ainda (e com frequência), seus colegas homens levaram o crédito por essas realizações”, diz a autora Misty Kalkofen. A historiadora Mallory O’Meara teve a mesma experiência. “Fiquei impressionada com a quantidade de informações sobre mulheres na destilação”, diz ela. “Não eram apenas pequenos detalhes – eram grandes mudanças, grandes inovações.” Ao iniciar sua pesquisa, O’Meara imaginou que seu livro começaria na Europa medieval, mas suas descobertas a levaram ao início da civilização. Quando falamos dos povos originários do Brasil nos deparamos com bebidas como o Cauim, um fermentado de mandioca que era produzido única e exclusivamente pelas mulheres da aldeia. No entanto, os livros de história que ela consultou não mencionavam o papel das mulheres. “Parece que estão realmente tentando excluir essas mulheres”, ela observa. “Isso é uma loucura para mim.” A febre do gim em Londres é um exemplo clássico. A invenção do gim (o novo espírito moderno da época) “não estava imbuída de tradição masculina, então as mulheres participaram desde o início”, diz O’Meara. “Havia muitas destiladoras e consumidoras de gim.” O início da Revolução Industrial introduziu um novo grupo de mulheres jovens e solteiras que começaram a trabalhar e queriam beber, mas as tabernas eram espaços masculinos onde os homens ficavam por horas bebendo. Aproveitando a oportunidade, mulheres comerciantes abriram “dramshops” onde as mulheres podiam entrar, tomar um gole de gim e sair. “Os dramshops foram o primeiro lugar na história de Londres onde era aceitável para uma mulher beber em público sem arriscar sua reputação”, escreve O’Meara. “Era um espaço público centrado nas mulheres, uma ideia inteiramente nova para a cidade.” Dinâmicas de Dinheiro e Poder Apesar de muitas inovações alcoólicas terem ocorrido em cozinhas, uma vez que os produtos foram comercializados (vendidos, transportados e exportados em larga escala), os homens começaram a passar regulamentos que exigiam que os produtores fossem parte de uma guilda ou comprassem licenças caras. “Durante séculos, eram as mães que faziam cerveja”, diz O’Meara. “De repente, elas foram afastadas. Em cada período histórico, fosse na fermentação ou destilação, é sistêmico. É um padrão bastante evidente ao longo da história.” Em “Every Home a Distillery”, Meacham observa que, por muitas gerações, as mulheres no Chesapeake colonial (atualmente Virgínia e Maryland) eram as principais produtoras de álcool de frutas, como cidra. Isso contrastava com seus pares na Europa, onde a produção de cerveja se tornou dominada pelos homens. Meacham aponta que, eventualmente, os homens na América colonial começaram a dominar a produção doméstica de álcool à medida que a demanda aumentava e os lucros se tornavam significativos, assim como haviam feito na Europa. No caso dos colonos do Chesapeake, foi “a exigência de abastecer o Exército Continental com bebidas alcoólicas durante a Revolução Americana que levou à mudança de gênero na produção de álcool no final do século XVIII”, escreve Meacham. O que vem a seguir embora o trabalho esteja longe de ser concluído, as mulheres fizeram avanços substanciais na indústria de bebidas alcoólicas, notadamente a Dra. Joy Spence, que possui mais de quatro décadas de experiência na Appleton Estate e se tornou a primeira mulher a ocupar o cargo de master Blender na indústria de destilados. Ao longo de sua carreira, ela admite ter enfrentado desafios. “Tive que trabalhar mais para ganhar reconhecimento e experimentei chauvinismo em certas áreas”, diz. “Por um tempo, carreguei o peso por outras mulheres, então tive que garantir meu sucesso.” “Gostaria de ver a indústria promovendo o fato de que há menos barreiras no mundo da mistura e as universidades poderiam fazer mais para encorajar mais mulheres a entrarem na área”, acrescenta a Dra. Spence. “É assim que avançamos para o futuro.” “Fizemos progressos significativos para aumentar a visibilidade das mulheres, mas ainda acho que temos um longo caminho a percorrer”, diz Misty Kalkofen. “A diferença salarial de gênero ainda existe. As mulheres ganham entre 78% e 82% do que os homens ganham, dependendo da fonte citada, mas, infelizmente, esse número muda drasticamente para pior quando se analisam as estatísticas por raça. Organizar-se para aumentar a conscientização ainda é muito importante.” “Espero ver mais homens envolvidos nessas conversas”, diz Kalkofen. “As mulheres não devem carregar todo o peso de promover mudanças. Precisamos de aliados e precisamos deles agora.” Os papéis das mulheres na indústria são agora mais visíveis do que nunca: de executivas a fundadoras de marcas, de destiladoras a proprietárias de bares e mixologistas influentes. Com a nova geração de líderes femininas surgindo, é evidente que essa geração finalmente quebrará a tradição – celebrando as contribuições das mulheres em todos os níveis